Não sei como quero ter um blog se não apareço pra postar, mas ok. Tenho tido dias complicados e vou escrever nem que seja pra passar o tempo.
Estou passando pela clínica médica agora, e considerando que meu internato nesta área é em um dos 10 piores pronto socorros do Brasil acho que já dá pra imaginar que não está sendo fácil. A cada dia que passa admiro mais aqueles profissionais que são bons sim, qualificados e muito bem qualificados, atualizados, estudiosos, mas que trabalham em condições inaceitáveis e pasmém, amam aquele lugar, alguns dedicam muito do salário e da vida para melhorá-lo porque sabem que os coitados que passam por ali não tem culpa de nada, e que se tá ruim naquele hospital muito pior seria sem ele. E principalmente, porque são médicos, verdadeiros sabe? Que amam o que fazem.
Há uma semana acabou a luz e o gerador não funcionou, ficamos 1h43min ambuzando os pacientes da UTI (estava rodando por lá naquela semana, e estávamos, todos da equipe, na quantidade exata de leitos, ou seja, não dava pra revezar). O saldo? Dois óbitos por causa disso, já que os pacientes estavam com o PEEP elevado e bom, não aguentaram. Aí você se vê naquela situação e reflete sobre muita coisa, sabe? Reflete sobre aquela vida que tá na sua mão, sobre as condições a que aquelas pessoas são submetidas. Pensa que o HCOR faz mais de 700 cirurgias mês (enquanto o hospital com fim semelhante aqui faz 200), com menos da metade do nosso pessoal e 3 milhões a menos por mês (enquanto lá eles fazem até transplante e no hospital semelhante aqui isso ocorrerá em 2070, talvez) e nós somos obrigados a ouvir que "falta verba, falta pessoal, não podemos fazer nada", pra casa do caralho com o perdão da palavra!
Há 2 semanas eu perdi uma paciente, 29 anos, abscesso hepático de 9x7 que entrou em sepse grave e evoluiu pra choque séptico. Morreu. Deixou 5 crianças e uma mãe pós-AVC que dependia dela. Pq? Pq o USGrafista se julgou ocupado demais pra fazer o exame, pq o cirurgião se recusou por dias a operar por falta de exame e quando finalmente tudo cooperou, o centro cirurgico ficou trancado porque não tinha leito pro paciente pós-neurocirurgia na UTI e ele ficou lá, dentro do centro cirúrgico por dois dias. E isso não é nada. Coisa muito pior acontece por ali e pelo mundo por causa dos filhos da puta que quando adoecem chamam um jato e vão pro Einstein e no fim, pagam a conta com o nosso direito. Tudo isso por culpa nossa, que os elegemos. Por culpa do cidadão ignorante, que permanecer burro a vida toda "pq é assim e nunca vai mudar". Por culpa minha que tô desabafando numa droga de um blog que não contribui em nada com o mundo :)
Meu grande aprendizado ali vai muito além da medicina. Passa pela ética, pelo comprometimento, pela coragem, pela emoção, (pq esse papo de que médico tem que ser insensível é uma puta de uma palhaçada!) Me faz pensar na razão de eu estar ali, no meu papel na vida das pessoas. Apesar de tudo, a grande lição que uma preceptora me passou é que na vida "você tem que trabalhar com padrões máximos a serem alcançados e não mínimos a serem obedecidos", pq esse sempre foi o lema do fundador do Einstein, que é sabidamente o melhor hospital do país e não é a toa! Pq ali, as pessoas comprometidas trabalham com esse lema, mesmo tendo muito menos que o mínimo disponível. Porque mesmo assim, o nível de mortalidade daquela UTI está abaixo do nacional.
O que eu sei é que conhecimento é necessário sim - sem ele ngm chega em lugar nenhum, não é?- mas ele não vale nada sem valores, aqueles mesmos, ensinados pela mamãe e pelo papai, sabe? Pq ao mesmo tempo que você vê excelentes profissionais ali, você vê médicos que são um lixo e que serviram pra eu saber o que eu nunca quero ser na vida.
O saldo disso tudo?
A porra da dúvida quanto a residência e esse é o meu dilema.
Será que o que eu quero mesmo é Dermatologia? Se fosse, será que eu teria essa dúvida? Eu amo tanto a Clínica Médica, sempre amei e agora parece que amo mais. E agora, José? :(
Beijos.
